Fim dos Tempos

 

Mais um texto de formação para o Tempo do Advento:

I) Introdução:

Este texto tem por objetivo tirar do nosso imaginário religioso falsas idéias sobre o fim dos tempos, que levam à confusão, ao pessimismo, ao derrotismo e ao desânimo. 

II) O que é o tempo para o cristão :

“No cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental. Com efeito, é nele que tem lugar toda a obra da criação e da salvação e, sobretudo, merece destaque o fato de que, com a encarnação do Filho de Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se seguirá ao fim dos tempos (cf. Hb 1,2)”. (Carta Encíclica do Sumo Pontífice João Paulo II, Fides et Ratio – Sobre as relações entre fé e razão, 1998.)

“Fim dos tempos” pode ser entendido de duas maneiras, que são complementares.  Na primeira “fim” significa término, final, e nos aponta um momento de nossas vidas em que o tempo não mais existirá. Neste momento, não mais poderemos lutar pela nossa salvação, não poderemos mais praticar o bem, nem o mal. É o tempo em que seremos julgados por tudo que tivermos feito. Este tempo começa com a nossa morte física, que é o nosso fim como homens mortais e pecadores, abertura para a vida eterna.

Mas “fim” também pode significar objetivo, finalidade, meta a ser alcançada. Qual é o “objetivo” dos tempos, da história, para o cristão? É, em primeiro lugar, a sua vida eterna, o acumular bens que não perecem e que nos valerão nos céus. É também multiplicar seus bens espirituais a fim de salvar e resgatar para o Reino um maior número possível de almas.

III) O final dos tempos:

Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas o final dos tempos é tratado explicitamente. Podemos observar que Jesus trata deste tema delicado apenas com seus discípulos, aqueles a quem enviou em missão para “curar os doentes, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos, expulsar os demônios” (Mt 10, 8). Só para estes Jesus instrui a respeito do tempo que virá. Só para eles Jesus respondeu a pergunta: “Quando acontecerá isto? E qual será o sinal da tua volta e do fim do mundo?” (Mt 24,3b; Lc21, 7; Mc 13,4) No evangelho de Marcos, Jesus fará este mesmo discurso, mas apenas para Pedro, Tiago, João e André (Mc 13, 3).

Mas porque Jesus fala apenas aos seus discípulos se o fim do mundo é colocado por ele como um acontecimento que afetará a todos os povos? A resposta para esta pergunta encontramos no livro do Apocalipse. São João nos relata o fim dos tempos, colocando inicialmente como um tempo de combate, em que o acusador tenta perder o maior número possível de homens e Deus usa de sua justiça e misericórdia para salvá-los. Mas, atenção, não retrata um combate entre forças do bem e do mal de igual intensidade, e sim mostra os meios pelo qual Deus, na sua infinita bondade e justiça, procura salvar todos seus filhos sem ir de encontro com a liberdade conferida a eles.

 A visão inicial deste tempo final está relatada no capítulo 4 do Apocalipse, onde João é arrebatado em visão para o palco do trono de glória de Deus, local onde acontece o julgamento final, aquele relatado por Jesus em Mt 25, 31-46. Neste momento, é apresentado a Deus o Livro com os nomes de toda a humanidade a ser julgada. Mas este livro está selado “com sete selos” e um anjo pergunta: “Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos” (Ap 5, 2b), para que a humanidade possa enfim ser julgada e para que os justos contemplem, enfim, a face de Deus e usufruam de sua glória? E João chora diante desta visão porque: “ninguém, nem do céu, nem da terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro e examiná-lo”. Este poder, de julgar os homens, só Jesus e o Pai têm. Por isso, por mais mal que satanás possa vir a fazer aos homens, por mais que ele nos acuse no dia do julgamento, ele nunca poderá nos condenar.

Um dos Anciãos que estava na corte celeste, prostrando-se e dando glórias a Deus, responde a João, e também a nós hoje: “Não chores! O Leão da Tribo de Judá, o descendente de Davi achou meio de abrir o livro e os sete selos” (Ap 5, 5). Sim, Jesus, o cordeiro imolado apresentado ao trono de glória do Pai, pode ouvir também de nossas bocas o cântico novo cantado pelos anciãos: “Tu és digno de receber o livro e abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço do teu sangue, homens de toda tribo, povo e raça; e deles fizeste para Deus um reino de sacerdotes, que reinam sobre a terra” (Ap 5, 9).

São Paulo, na sua Carta aos Romanos nos coloca, de modo indireto, o tema do julgamento: “Que diremos depois disso? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas? Quem poderia acusar os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Cristo Jesus, que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à mão direita de Deus, é quem intercede por nós” (Rom 8, 31-34).

Mas Deus, na sua infinita bondade, quis precisar também de outros dois elementos para que “o livro fosse aberto”: o Espírito Santo, que acompanha o Cordeiro, sob a forma de “sete espíritos de Deus, enviados por toda a terra” (Apo 5, 6b) e também as orações dos santos, oferecidas pelos Anciãos ao Cordeiro, em forma de perfume, colocadas em cítara e taças de ouro (Ap 5, 8b).

O Espírito Santo, nas palavras de Jesus, foi enviado à terra (a partir de Pentecostes, abrindo assim o fim dos tempos e o início da Igreja) com três grandes funções:

  • Convencer o mundo do pecado que é não crer em Jesus como o Filho de Deus;
  • Convencer a respeito da justiça (do juízo final), pois é Jesus que estará lá, ao lado do Pai, para nos julgar (e não o acusador);
  • Convencer a respeito do juízo, que consiste em que o príncipe deste mundo já está julgado e condenado (Jo 16, 8-11).

Essas funções são essenciais para que possamos viver o fim dos tempos como um tempo de esperança e vitória de Deus sobre o mal e não com desânimo ou derrotismo.

Por fim, computa-se as “taças de orações” feitas pelos santos (todos nós), sobretudo as orações de louvor, ação de graças, as que proclamam a vitória de Jesus sobre o mal e a morte. Faremos, então, parte dos sobreviventes da grande tribulação. Pois teremos nossas vestes alvejadas no sangue do cordeiro (Apo 7, 14b).

Nossa morte física é, pois, o fim do nosso tempo, do tempo em que podemos combater pela nossa salvação, mas é também o fim de nossa chance de pecar e ofender a Deus. Precisamos apenas esperar o juízo final. Qual seria então a diferença do nosso juízo individual e do juízo final, visto que depois de morrer não poderemos mais fazer nada que nos salve ou nos condene? É a oração dos santos: as orações que recebemos em vida, que receberemos em morte e, sobretudo, as orações que fazemos pelo povo de Deus. Tudo é computado no grande Capital de Graças. Nem uma Ave-Maria, nem um Pai-Nosso será desperdiçado por esse Deus amoroso e ávido para salvar todo o seu povo.

Como todos nós somos chamados a ser santos, as nossas orações servem para abreviar os sofrimentos e inflamar o coração misericordioso de Jesus. A consciência de que “os tempos urgem” deveriam nos levar a um maior compromisso de oração. Por isso é que Jesus fala primeiro aos seus discípulos, e só a eles, sobre este tema, para que, depois de receberem a efusão do Espírito Santo, possam propaga-lo a outros discípulos.

 Entramos então na outra concepção do fim dos tempos, válida para o cristão, sobretudo para aquele que se dispõe a seguir Jesus como discípulo.

IV) O objetivo dos tempos: Vigiai e orai!

O tempo para o cristão é o lugar do seu caminho de conversão. Este fim dos tempos se iniciou com a sua morte e ressurreição na cruz, tendo como ponto alto a vinda do Paráclito. É um tempo de ausência física de Deus-homem e de sua presença através do Espírito Santo derramado. O evangelho de João nos coloca explicitamente todos os conselhos e diretrizes de Jesus para vivermos este tempo e para nos prepararmos para o encontro amoroso com o Pai e com o Filho, no trono da glória.

Não é mera coincidência que este discurso de Jesus aos discípulos ocorre praticamente no mesmo tempo em que os outros três evangelistas abordam explicitamente o fim dos tempos e a queda de Jerusalém. João, o discípulo amado, não se prende aos fatos históricos e retém a essência do discurso de Jesus. Seus conselhos valem para nós hoje, pois ainda estamos vivendo “o fim dos tempos” (Jo 13, 31-16,33).

Todas essas diretrizes, condutas de vida e preparação para uma morte santificada, podem ser divididas em dois temas básicos, encontrados nos quatro evangelistas e em algumas epístolas (I Tes 5 , II Tes 2 e II Pd 3) :  Vigiai e orai!

1. Vigiai!

Jesus nos explica porque precisamos vigiar, apresentando assim as tentações mais comuns que os cristãos irão se deparar quando de sua evangelização no mundo, no tempo. Fala de guerras e de perseguições aos cristãos, tudo o que temos presenciado, desde que Cristo morreu na cruz. O que acontecerá, então, à sua Igreja? 

“Cuidado que ninguém vos seduza. Muitos virão em meu nome dizendo: Sou eu o Cristo” (Mt 24,4) . Levantar-se-ão muitos falsos profetas e seduzirão a muitos. E, ante o progresso crescente da iniqüidade, a caridade de muitos se esfriará. (Mt 24,11-12). Vide também em  Lc 21, 8 ,  Mc 13, 5-6 e  II Tes 2, 9-10.

“Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerra. Atenção, que isso não vos perturbe, porque é preciso que isso aconteça” (Mt 24, 6  e  Lc 21, 8b-9). Porque essas coisas são necessárias? O Senhor é Deus dos bons e dos maus e quer salvar a todos (vide Jo 3,17; 6,39; 12,47). Como salvar os maus? Permitindo que sofram com os seus pecados e aproximem-se assim do Pai misericordioso. Vide também, Mc 13, 7-8.

“Mas, antes de tudo isso, vos lançarão as mãos e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença dos reis e governadores, por causa de mim. Isso vos acontecerá para que vos sirva de testemunho “ (Lc 21,12), para que os maus possam conhecer a Deus e se converter. Vide também em Mc 13, 9.

Tudo isso é bom que aconteça, foi previsto por Deus na sua suprema bondade, pois só assim “o joio poderá ser separado do trigo”, e o Evangelho poderá ser pregado pelo mundo inteiro, condição necessária do fim dos tempos (Mc 13, 10). 

E o próprio Jesus nos anima e tranqüiliza dizendo: “Quando começarem a acontecer tais coisas, reanimai-vos e levantai vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21, 28) E ainda: ”aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 24, 13), pois “é pela nossa constância que alcançaremos a salvação “ (Lc 21, 19).

Como podemos vigiar? São estes os conselhos de Jesus para os seus discípulos e para nós, hoje:

“Velai sobre vós mesmos (que o Pai se ocupará dos nossos…), para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso” (Lc 21, 34). Vide também I Tes 5, 4-10.

“Assim, pois, consolai-vos mutuamente e edificai-vos uns aos outros, como já o fazeis” (I Tes 5, 11). O amor aos irmãos é o grande meio de santificação que temos ao nosso dispor.

“Vigiai, pois, em todo o tempo (durante toda a vida aqui na terra) e orai, a fim de que vos tornei dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do homem” (Lc 21, 36), como Maria, ao lado da cruz.

Se vigiarmos, faremos (e já fazemos) parte daquele povo que, na Plenitude dos Tempos, apresenta-se perante o trono da Glória com as roupas alvejadas no sangue do Cordeiro. E o Senhor vai abreviar essas provações em atenção aos eleitos que escolheu. 

2.   Orai!

Não sabemos quando será o fim, nem podemos prever, mas podemos sim orar para que o Senhor venha logo e abrevie esse tempo em que vivemos. Somos assim chamados a orar, não apenas por nós mesmos, mas por todo o povo de Deus. É no serviço da oração que nos fortalecemos para combater as tentações, mantendo assim nossas lâmpadas sempre cheias do óleo de espírito. Não importa quanto oremos e se as nossas orações são perfeitas. Sejamos como a viúva, que deu uma pequena moeda, mas que era tudo o que ela tinha. O Senhor não nos julga pelo quanto e como oramos e sim pela quantidade de amor que depositamos em nossas orações.

Jesus colocou explicitamente que as orações dos santos abreviam os dias de tribulação em Mt 24,22 e também em Mc 13, 20. O papel do cristão é o de orar, tanto pelo trigo quanto pelo joio, com esperança e certeza de que a vitória do Jesus já foi dada pelo Pai, e de que temos apenas que vigiar e orar, usar o nosso tempo de vida do melhor modo possível para nos tornar dignos de participar da vida eterna.

Não cabe, pois, a nós, ceifar. Este é o trabalho dos anjos (Mt 13, 39). Devemos apenas orar. “Então, no Reino de seu Pai, os justos resplandecerão como o sol” (Mt 13, 43). Há no mundo muito trigo maduro “resplandecendo como o sol”. E quando oramos, unindo nossas orações com as dos santos, da terra e do céu, nos tornamos parte deste grande trigal que é o povo de Deus, marchando confiante para a Glória. O inimigo tenta nos desanimar, derrubando cinzas de pessimismo e derrotismo sobre este trigal, mas ao invocarmos o Espírito Santo, com fé, o seu vento espalha e dissipa essas cinzas. Oremos cada vez mais, sobretudo em orações de adoração e louvar, proclamando que o nosso Deus é vencedor, e que a Plenitude dos tempos já está aí. “Eu vos digo: levantai os vossos olhos e vede os campos, porque já estão brancos para a ceifa” (Jo 4, 35b).

Quanto mais procurarmos firmemente a nossa própria santificação, mais eficaz será nossa oração. São Pedro nos aconselha: “considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia de Deus (….).Portanto, caríssimos, esperando estas coisas, esforçai-vos  em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz.” (II Pd 3, 11b-12a. 14).

Sugestão: ler e meditar Jo 13, 31-16,33. 

V)  A Plenitude dos Tempos: Fim e final coincidem na segunda vinda do Filho do Homem

Como e quando será a segunda vinda de Jesus? “Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe, nem mesmo os anjos do céu, mas somente o Pai” (Mt 24, 36). Vide também Mc 13, 32 .

São Paulo nos exorta e tranqüiliza: “No que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e nossa reunião com ele, rogamo-vos irmãos, não vos deixeis facilmente perturbar o espírito e alarmar-vos, nem por alguma pretensa revelação nem por palavra ou carta tidas como precedentes de nós e que vos afirmassem estar iminente o dia do Senhor” (II Tes2, 1-2). Pois nosso Senhor virá, como nos tempos de Noé, de modo inesperado, mas não sem avisar e prevenir os seus eleitos, aqueles que se mantiverem fiéis, em sintonia com o Senhor, atento aos seus sinais. Esperemos, pois, como uma mulher que está para dar à luz, “grávidos de Jesus”, cheios de fé e esperança. A mulher, ao se aproximar o dia de dar a luz, pensa nas dores do parto ou na criança que está para nascer? Assim nós também devemos manter nossos olhos fixos em Jesus, na sua glória e misericórdia para com todos. 

“Quando o Filho do homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25, 31). Neste dia, em que o fim e o final dos tempos serão uma só coisa, em que o Evangelho tiver sido propagado por toda a terra, seremos julgados apenas pelo nosso amor. É a caridade, o primeiro mandamento de Jesus, que será o critério deste grande julgamento. Certamente o Senhor olhará mais para o nosso amor do que para os nossos pecados, pois o seu Filho morreu para resgatá-los na cruz. Enfim, as orações dos santos atenuarão a falta de amor da humanidade, pois formam um grande capital de graças santificantes. Maria também estará do nosso lado, como mãe amorosa, intercedendo por nós. O que temos de temer? Esperemos, pois, com fé e confiança, “novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça”  (II Pd 3,13).

Podemos agora, sem medo, voltar ao texto do Apocalipse e, juntamente com São João, vislumbrar, pela fé “um novo céu e uma nova terra (…), e a Cidade Santa, a nova Jerusalém, descer do céu, de junto de Deus, como uma esposa ornada para o esposo” (Ap 21, 2). E o Senhor nos consolará de todos os sofrimentos dizendo: “Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição” (Ap 21, 3b-4). E Jesus também nos falará: “Eis que renovo todas as coisas(…) Está pronto! Eu sou o Alfa e o Ômega, O Começo e o Fim. A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva. O vencedor herdará tudo isso; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho” (Ap 21, 55-6).

Profa. Dra. Maria Cecília Isatto Parise

 

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